sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Vale cultura ou é por quilo?

Lançado em julho de 2009 pelo então presidente Lula, o Vale Cultura passou por uma longa via crucis em Brasília até finalmente ser aprovado pela Câmara dos Deputados, em 21 de novembro último, e no Senado, ontem. O último passo agora, e o mais previsível deles, é a aprovação da presidenta Dilma Roussef. Os R$ 50 mensais servirão a trabalhadores em regime de CLT, e que ganhem até 5 salários mínimos, "para entrar em teatros, cinemas, comprar livros, CDs e consumir outros produtos culturais". Segundo o Ministério da Cultura, o número de trabalhadores beneficiados pode chegar a 12 milhões.

Na época de seu lançamento , o projeto recebeu críticas reveladoras tanto da oposição, liderada pelo então senador & amigo de bicheiro Demóstenes Torres, quanto pela grande imprensa. Em editorial, o Estadão afirmou que o "mais grave é o risco de que grande parte do dinheiro, em vez de ajudar na formação dos trabalhadores de baixa renda, vá para produtos e eventos culturais de grande apelo popular, mas com escasso teor educativo, como shows de axé, livros de autoajuda e comédias de gosto duvidoso protagonizadas por atores de televisão". Notem, por favor, os exemplos pinçados pelos senhores editorialistas (axé, autoajuda e comédias com atores de TV).

No mesmo dia, na Folha de S. Paulo, Gilberto Dimenstein afirmou algo parecido: "Não é elitismo querer que dinheiro público não patrocine espetáculos de shows de música funk, sertaneja ou pagode. Ou que vá para autores de livros de autoajuda ou filmes de violência. Assim como obviamente, não tem nada de errado que as pessoas se divirtam como quiserem". Quer dizer, não tem nada de errado se a patuléia quiser o mesmo que você, né Sr. Dimenstein-Sabe-Tudo-do-Bom-e-do-Melhor?

Críticas assim, de um elitismo galopante e descarado, dizem mais sobre quem as faz do que sobre o que é criticado. Poderiam dizer que R$ 50 é muito pouco ou então que esse esquema de renúncia fiscal é passível de corrupção. Não, nada disso. A simples ideia de garantir acesso à cultura (qualquer cultura) aos mais pobres, mesmo que timidamente e com riscos de falta de adesão, parece uma ofensa na cabeça dessa gente fina, elegante e nada sincera que se acha melhor que os outros.

Não importa se a pessoa usar os R$ 50 para comprar um livro do Padre Marcelo Rossi, um DVD sertanejo, um ingresso para o filme novo do Bruno Mazzeo ou uma coletânea pirata de funk. Aí vai de cada um e é preciso respeitar (coisa rara nesse tempo de ditadores de regras). Cultura é movimento e produção, acesso e distribuição, variedade e necessidade, uma coisa puxando as outras. Se o Vale Cultura vai dar certo são outros quinhentos, mas é certo que pelo menos se procure uma ou mais iniciativas para diminuir a desigualdade de acesso a um dos bens mais importantes da vida humana, coisa que o Ministério da Cultura, na gestão Ana de Hollanda, não vinha fazendo (assunto tratado no texto "Estamos perdidos?").

p.s.: e por falar em Vale Cultura, acho que o pessoal da redação da Veja está precisando do benefício. A mesma revista que definiu como "idiota moral" um dos maiores historiados do mundo, Eric Hobsbawn (1971-2012), disse ontem, por meio de seu principal articulista raivoso, que Oscar Niemeyer (1907-2012) era "metade idiota". Quando dois gênios que contribuíram imensamente para a cultura mundial são chamados de idiotas por uma publicação acho que fica bem claro de que lado é melhor ficar.


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